Chega a ser hilário, com todo o respeito que as instituições nacionais merecem, ler o Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, título pomposo emanado do não menos pomposo Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Parece que o excessivo número de vocábulos em um documento governamental ou no nome de uma repartição estatal esconde uma estratégia de difusão de sentidos. Diante de tantas palavras, o embaralhamento visual é tamanho que não nos convida à reflexão mais profunda.
Enfrentei a dificuldade e, misturado meu ânimo da já referida hilaridade com certa categoria que está entre o nojo e o asco, pus-me a ler o tal manual... Trata-se de um escrito orientando a polícia a como agir em caso de invasões do MST e congêneres.
A primeira frase já é uma mostra clara do teor ideológico carregado do documento. Transcrevo-a: “Uma das causas de violência no campo são os meios empregados no cumprimento dos mandados de manutenção e reintegração envolvendo ações coletivas pela posse de terra rural (...).”
Sim, leitor, é isso mesmo. Na cabeça dos membros da tal ouvidoria agrária, a culpa pela violência no campo não é dos que invadem terras alheias, depredam propriedades, destroem pastagens e plantações, e fazem pouco caso das leis do país. Se há violência, a culpa é dos proprietários, que buscam judicialmente a reintegração ou manutenção na posse, e dos órgãos de execução dos mandados. É quase como dizer que a culpa do estupro é da jovem por ser bonita... Para os redatores do manual é isso mesmo: o conflito não se forma pela invasão, e sim pelas forças de garantia da lei e da ordem quando, cumprindo decisões judiciais, devolvem a propriedade a quem foi esbulhado!
Em seguida, uma série de parágrafos é dedicado ao planejamento e deflagração das operações policiais para o cumprimento dos aludidos mandados. Ou seja, a ouvidoria agrária transmutou-se em um departamento de segurança pública. Revestiu-se, em moldes totalitários, de poderes até mesmo para ensinar a polícia a implementar seu ofício, e, tragicomicamente, contra os direitos de propriedade, ao arrepio da lei, e prevalecendo sempre a condescendência com os criminosos invasores (esses que se dizem “movimentos sociais”).
Mais adiante, temos uma frase imprecisa: “As operações deverão ser documentadas por filmagens, o que deve ser permitido pela polícia a qualquer das entidades presentes ao ato.” A ouvidoria está dando uma ordem à polícia, mesmo sem atribuição alguma para isso, de vez que o chefe da Polícia Militar, encarregada de usar a força pública em tais operações, é o governador do Estado na pessoa do comandante-geral da corporação. Além disso, cabe questionar – e aqui a imprecisão que notei – que entidades que estarão presentes às operações e que poderão filmar as ações? São entes estatais? Ou intrometidos do naipe dos movimentos espúrios e revolucionários instalados no Brasil, das ONGs, e outros grupos que nada tem a ver com uma ação oficial de cunho policial? A presença de civis – ou seja, de não-policiais – em uma operação de tamanha delicadeza não afetará a segurança dos mesmos? Caberá à polícia não só cumprir seus deveres, como dividir-se para garantir a escolta de curiosos e bisbilhoteiros?
Por fim, deixo os leitores com a maior das “pérolas” do documento. A polícia deverá zelar pelo não-desfazimento das benfeitorias existentes no local da invasão... Lonas pretas e barracas improvisadas agora são benfeitorias, e não podem ser destruídas, enquanto açudes são envenenados, moirões e alambrados postos abaixo, animais abatidos, e sedes destruídas.
Cumpre lembrar, igualmente, que o manual solapa o sistema de freios e contrapesos, fazendo derivar de um ministério que não o envolvido com a segurança normas preceptivas para procedimentos policiais (e tenho dúvidas se o Poder Executivo poderia criar regras daquele teor), além de atropelar a autonomia do Poder Judiciário, explicando aos policiais como agir, sendo que o juiz da causa já o faz quando da ordem de manutenção ou reintegração da posse. O magistrado tem suas mãos atadas, para que se cumpra, em um país de dimensões continentais e regido pelo pacto federativo, em um manual de gabinete, burocrático, irreal e comprometido com doutrinas envelhecidas que não deram certo em qualquer parte do mundo...
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